DIREITO


"Juiz que suspendeu audiência porque parte usava chinelo ressarcirá União

Pela conduta do magistrado, a União foi condenada a indenizar um trabalhador rural.
           quinta-feira, 9 de março de 2017

O juiz do Trabalho Bento Luiz de Azambuja Moreira, que suspendeu audiência porque uma das partes, um trabalhador rural, usava chinelos, deverá ressarcir à União os R$ 12,4 mil pagos ao lavrador a título de danos morais. A decisão é do juiz Federal Alexandre Moreira Gauté, da 1ª vara Federal de Paranaguá/PR.
O caso aconteceu em 2007, no município de Cascavel/PR. O magistrado, ao perceber que o trabalhador Joanir Pereira calçava chinelos, pediu que ele saísse da sala e disse aos advogados presentes que a audiência não seria realizada por conta desse motivo. À época, o juiz considerou que a falta de sapatos fechados "atentaria contra a dignidade do Judiciário".
Pela conduta do magistrado, o lavrador ajuizou ação de danos morais e a União foi condenada a indenizá-lo. A Procuradoria da União no Paraná propôs, então, uma ação contra o magistrado, para que ele fosse obrigado a ressarcir os cofres públicos pela despesa. "Como tal valor tem origem nos tributos pagos pelos contribuintes brasileiros, circunstância que lhe atribui caráter indisponível, deve o referido montante ser ressarcido à União pelo réu da ação, com os devidos acréscimos legais", argumentou.
Dolo ou culpa?
Em análise do caso, o juiz Gauté considerou que a decisão do juiz Bento tem natureza administrativa, portanto, ele deve ser responsabilizado civilmente pelo dano causado, mesmo que tenha agido culposamente.
Segundo o magistrado, "quando o juiz decide que uma pessoa somente pode ser ouvida em audiência se estiver vestindo determinado tipo de roupa", não há nada de jurisdicional.
"Tanto isso é verdade que, como realçado pelo próprio réu, vários juízos editam portarias tratando do tema, o que confirma a natureza administrativa desse tipo de pronunciamento."
Gauté observou que não há dolo na conduta do réu, visto que "ele chegou a pedir ao autor da reclamatória trabalhista que saísse da sala de audiências para, só então, dizer aos advogados das partes que o ato não seria realizado porque o autor estava calçando chinelos em vez de sapatos fechados".
"Se o réu houvesse eleito o resultado danoso como sendo o objeto de sua ação, certamente não teria pedido ao sr. Joanir para sair da sala antes de proferir sua decisão de não realizar a audiência."
Por outro lado, considerou que o magistrado agiu com culpa grave, pois "era absolutamente previsível o abalo moral causado ao autor da reclamatória trabalhista pelo adiamento da audiência, cujo motivo foi apenas o fato dele não estar usando sapatos fechados".
"Todos os que militam no meio forense sabem que o uso de trajes sóbrios é habitual e até mesmo exigível de juízes, membros do Ministério Público e advogados, porém essa exigência não deve ser imposta às partes e testemunhas humildes, ainda mais por órgãos da Justiça do Trabalho, cujos jurisdicionados são, em grande parte, trabalhadores que ostentam menores condições econômicas. Outrossim, os costumes e os padrões sociais locais também devem ser tomados em consideração pelo magistrado."
A matéria foi publicada por um site popular no link: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI255260,61044-Juiz+que+suspendeu+audiencia+porque+parte+usava+chinelo+ressarcira

O mesmo link disponibiliza o acesso à sentença na íntegra.

Artigo bastante útil para a garantia da eficiência no serviço público.
Leia!


Breves considerações sobre o desvio de função na Administração Pública

» Flavia Malavazzi Ferreira


RESUMO: O presente estudo busca abordar os direitos que surgem para o servidor público que realiza atribuiçõesde cargo diverso para o qual foi originariamente investido, por meio de concurso público.
PALAVRAS-CHAVE: Servidor Público. Concurso Público. Desvio de Função. Enquadramento. Diferença Remuneratória.


INTRODUÇÃO
O desvio de função é prática comum no cotidiano da Administração Pública,o que gera inúmeras ações judiciais, nas quais os servidores pleiteiam o enquadramento no cargo cujas funções vêm exercendo, além requerer o pagamento da remuneração correspondente.
O cerne da questão está na análise do artigo 37, II, da Constituição Federal de 1988, que exige a prévia aprovação em concurso público para o acesso a qualquer cargo ou emprego público, salvo para os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.
A jurisprudência é unânime em afastar o direito de enquadramento do servidor ao novo cargo, em respeito ao mandamento constitucional citado. Entretanto, ela se divide no que diz respeito ao direito do servidor de receber as diferenças salariais decorrentes do desvio de função.
DESENVOLVIMENTO
A investidura em cargos ou empregos públicos da Administração direta e indireta exige prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.
A obrigatoriedade de concurso público está previsto no artigo 37, II, da Constituição Federal de 1988:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:       (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) 
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;      (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) 
(...)”.
Diferentemente do que ocorria na vigência das Constituições anteriores[1]que exigiam a submissão a concurso público somente para a primeira investidura, a partir da Constituição atual tornou-se imprescindível o concurso para ingresso em qualquer carreira diversa daquela para a qual o servidor ingressou inicialmente por concurso. Ou seja, a obrigatoriedade do concurso não mais se limita à hipótese singular da primeira investidura em cargos ou empregos públicos. Dentro da mesma carreira, o acesso aos seus diversos degraus se faz por critérios internos de seleção (o que se costuma chamar de promoção), mas desejando o servidor ter acesso a cargo distinto, deve, necessariamente, submeter-se a novo concurso, em igualdade de condições com os demais concorrentes.
São inconstitucionais, portanto, os concursos internos e as ascensões funcionais, em que pessoas admitidas para cargos básicos da Administração Pública são investidas em cargos mais elevados após realização de seleções internas ou mera apresentação de diploma de nível superior.
Alexandre de Moraes esclarece:
“A Constituição Federal é intransigente em relação à imposição à efetividade do princípio constitucional do concurso público, como regra a todas as admissões da administração pública, vedando expressamente tanto a ausência deste postulado, quanto seu afastamento fraudulento por meio de transferência de servidores públicos para outros cargos diversos daquele para o qual foi originariamente admitido”.[2]
Nesse sentido é a Súmula 685, do Supremo Tribunal Federal: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.
A adoção do critério do concurso público para o ingresso no serviço público não só permite que sejam escolhidos para ocupar o cargo ou emprego aqueles com melhores qualificações, mas, especialmente, faz valer os princípios constitucionais da igualdade, da impessoalidade e da moralidade.
Hely Lopes Meirelles ilustra com maestria a finalidade do concurso público.
“O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso, afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos”.[3]
A importância dada ao concurso público, pelo constituinte originário, pode ser verificada no artigo 37§ 2º, da Constituição[4], que é a única hipótese em que, de modo expresso, a Constituição determina a anulação do ato administrativo e a obrigatoriedade de punição daquele não observou as regras relativas ao concurso para o provimento dos cargos públicos.
É dentro desse contexto que o desvio de função, prática ainda comum no serviço público, deve ser analisado.
O desvio de função ocorre quando o servidor é compelido a realizar tarefas privativas de cargo diverso do seu.
Existem situações, porém, em que o servidor é designado para o exercício de função de confiança, passando a receber gratificação por esse acréscimo de tarefas,que são diversas das características do cargo originário. Desde que essas novas atribuições não sejam privativas de outro cargo, não há que se falar em desvio de função. 
Nesse sentido já se manifestou a jurisprudência:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DATILÓGRAFO. DESVIO DE FUNÇÃO. PAGAMENTO DE DIFERENÇAS SALARIAIS COM BASE NA REMUNERAÇÃO DE AUDITOR-FISCAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (LEI Nº 11.457/20070). IMPOSSIBILIDADE.
1. Apelação interposta pelo particular contra sentença que julgou improcedente o pedido do autor, ocupante do cargo de Datilógrafo, em ação proposta contra o INSS visando o pagamento de diferença remuneratória por haver trabalhado em desvio de função, no exercício das atribuições de Auditor-Fiscal da Previdência Social, transformado em Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil pela Lei nº 11.457/2007 (Super Receita), condenando-o ao pagamento das custas judiciais e de honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00, nos termos do art. 20, parágrafo 4º, do CPC.
2. (...)
3. A questão controvertida diz respeito ao alegado desvio de função, em relação ao qual oapelante pretende ver reconhecido o direito à diferença remuneratória, haja vista que na qualidade de servidor concursado nomeado para o cargo de Datilógrafo haveria exercido as atribuições funcionais típicas de Auditor-Fiscal da Previdência Social até 31 de outubro de 2007.
4. O conjunto sistemático de atividades, atribuições e poderes laborativos, integrados entre si, que formam uma unidade no contexto da divisão do trabalho estruturada definem a função. Por sua vez, a tarefa consiste em uma atividade específica, estrita e delimitada, existente na divisão do trabalho estruturada. É uma atribuição ou ato singular no contexto da prestação laboral. Assim, uma mesma tarefa pode estar presente na composição de mais de uma função, sem que isso venha necessariamente a comprometer a identidade própria e distintiva de cada uma das funções comparadas. A tarefa de atendimento ao público, por exemplo, pode estar presente em distintas funções.
5. O que se verifica, no presente caso, é que o autor, por ter executado determinadas tarefascomuns ao cargo de Auditor-Fiscal da Previdência Social e de Datilógrafo, no exercício de Função Gratificada de Chefia da Seção de Orientação da Arrecadação, acreditou estar desempenhando atribuições de Auditor-Fiscal da Previdência Social. Contudo, uma mesma tarefa pode compor várias funções, conforme salientado anteriormente, sem, necessariamente, comprometer a identidade própria e distintiva de cada uma das funções comparadas.
6. Para que fique configurado o desvio de função, exige-se a prova de que o trabalho exercido é fruto de esforço intelectual próprio, que não necessita supervisão constante, e que detenha a responsabilidade pelo trabalho desenvolvido e autonomia para decidir frente a situações conflitantes, não sendo esta a hipótese dos autos, visto que "ao proceder ao confronto das atribuições exercidas pelo autor com as dos cargos de auditor-fiscal conclui-se que não há correlação entre elas. No máximo, quando as atribuições se aproximam, como no caso da 'orientação aos contribuintes ou sujeitos passivos', nota-se que neste momento a parte autora estava desempenhando função gratificada, logo, já recebia um plus remuneratório pelo seu desempenho, não existindo direito a ressarcimento. Além disto, conforme minuciosamente descrito acima, as atribuições típicas de Auditor Fiscal têm nítido caráter decisório, incompatível com a descrição das funções que o autor afirma ter desempenhado na petição inicial."
7. Assim, tem-se que o mero desempenho das tarefas apontadas na inicial não caracteriza o desvio de função, até porque, in casu, as atividades exercidas pelo apelante não configuravam atividade privativa de Auditor-Fiscal da Previdência Social, consideradas asfunções especificadas no Anexo I da OS/IAPASSAD-135/1986, publicada no BS/IAPAS/DG nº 42, de 05 de março de 1986 (v. fls. 04/05) e aquelas pelo exercício de Função Gratificada (v. fls. 05 e 71). 8. Precedente desta eg. Segunda Turma: AC450708/AL, Desembargador Federal Fernando Braga, Segunda Turma, DJE 11/07/2013. 9. Apelação improvida.”
(AC 00005986720104058102AC - Apelação Civel – 534616. TRF 5. Segunda Turma.  Relator Desembargador Federal Fernando Braga. DJE - Data::03/11/2014 - Página::52)
Há casos, ainda, em que o servidor passa a realizar tarefas de outro cargo que muito se aproximam das tarefas do seu cargo de origem. É o que pode ocorrer entre os cargos de técnico e analista judiciários,de técnico e analista previdenciários, auxiliar de enfermagem e enfermeiro, entre outros, em que não há situação estanque e pré-definida das atribuições, existindo, na verdade, uma intercambiaridade entre as atividades de um e de outro, face à amplitude com que o legislador geralmente as define. Também nesses casos, inexiste desvio de função. 
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. TÉCNICO PREVIDENCIÁRIO E ANALISTA PREVIDENCIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO AO RECEBIMENTO DE DIFERENÇAS SALARIAIS. 1. Em razão de investidura legal, o servidor público somente tem direito ao recebimento dos vencimentos do cargo de que se tornou titular. 2. Assim, o desvio de função deve ser corrigido pela Administração, todavia não gera direitos à percepção de vencimento diferenciado daquele cargo para o qual foi nomeado e investido. 3. Na hipótese, ao criar os cargos de técnico previdenciário e analista previdenciário, a Lei nº 10.667/03 não detalhou as atividades que seriam exercidas pelo primeiro, conferindo-lhe apenas atividades de suporte e apoio a todas as atividades do INSS. É de se concluir, pois, que o técnico pode exercer qualquer atividade cuja complexidade esteja inserida no grau de instrução exigida no respectivo concurso público. 4. Precedentes do STJ e desta Corte. 5. Apelação a que se nega provimento.”
(TRIBUNAL – QUINTA REGIÃO. AC – Apelação Cível – 377916. Processo: 200583080007439 UF: PE Órgão Julgador: Quarta Turma. Data da decisão: 02/12/2008 Relator Desembargador Federal Marcelo Navarro. DJ – Data: 16/01/2009 – Página: 363 – Nº 11).
Assim, o desvio de função somente fica configurado quando o servidor passa a exercer atribuições exclusivas de outro cargo, distintas do cargo para o qual ele prestou concurso.
O desvio de função é prática lamentável que deve ser eliminada do serviço público. Entretanto, enquanto ela permanece, faz-se necessário verificar se ela gera algum direito ao servidor.
A Constituição Federal veda o acesso a qualquer cargo ou emprego público sem prévia aprovação em concurso. Por conseguinte, o servidor que exerce suas atividades em desvio de função não tem direito à investidura no novo cargo e nem mesmo direito a receber a remuneração do cargo que vem exercendo em desvio de função.
Essa tese tem acolhida no Judiciário:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDORPÚBLICO FEDERAL. DESVIO DE FUNÇÃO. RECEBIMENTODE DIFERENÇA REMUNERATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS”.
1. A investidura em cargo público efetivo, após a ConstituiçãoFederal de 1988, apenas é possível através de concurso,devendo o servidor exercer as funções inerentes ao cargo para oqual foi admitido.
2. É vedado o desvio de função (art. 117, inciso XVII, Lei nº8.112/90), sendo direito dos servidores retornar às atribuições deseu cargo;
3. Aos servidores é devida, tão somente, a percepção dosvencimentos do cargo para o qual foram admitidos, ainda que, deforma errônea, tenham exercido temporariamente outrasatribuições. É inadmissível a correção de uma anomalia pelaprática de outra, em detrimento do interesse público;
4. A Administração Pública está adstrita ao princípio dalegalidade. Inexistindo previsão legal de pagamento devencimentos diferenciados em caso de desvio de função, esta amesma impossibilitada de assim proceder.
5. Mesmo ocorrendo o exercício de atribuições de cargo denível superior, a remuneração dos servidores de nível médio deacordo com aquele representaria burla ao principio da investiduramediante concurso público;
6. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor dacondenação.
7. Apelação do autor improvida e apelação da União eremessa oficial providas. (AC 298.153, unânime, QUARTATURMA, Relator Desembargador Federal LÁZARO GUIMARÃES,DJU, 03.02.2004, pág. 261).
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DEFUNÇÃO. PAGAMENTO DE DIFERENÇA SALARIAL.IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
- O servidor público só tem direito aos vencimentos do cargode que se tornou titular por força de investidura legal.
- O desvio ilegal de função não gera direito ao pagamento dediferença salarial.
- Apelação e remessa oficial a que se dá provimento.”

 (AC –Apelação Cível nº 372.817-PB, TERCEIRA TURMA, unânime,Relator Desembargador Federal RIDALVO COSTA, j. 15.03.2007,DJU, 21.06.2007, pág. 1391).
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DESVIO DE FUNÇÃO. PAGAMENTO DE DIFERENÇAS DE REMUNERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. A investidura em cargo público efetivo, após a Constituição Federal de 1988, apenas é possível através de concurso público, devendo o servidor exercer as funções inerentes ao cargo para o qual foi admitido, sendo vedado o desvio defunção;
2. Ao servidor é devida, tão somente, a percepção dos vencimentos do cargo para o qual foi admitido, ainda que, de forma errônea, tenha exercido temporariamente outras atribuições. É inadmissível a correção de uma anomalia pela prática de outra, em detrimento do interesse público;
3. Permitir que a Administração pague ao servidor a diferença de retribuição entre o cargo genuíno e aquele que de fato exerceu, significa macular a proibição constitucional, sendo certo, mais, que, no caso dos autos, o desvio se deu em proveito do servidor;
4. Apelação e remessa oficial providas.”
(APELREEX 00088916820114058400
APELREEX - Apelação / Reexame Necessário – 24659. TRF5. Segunda Turma. Relator Desembargador Federal Cesar Carvalho. DJE - Data::03/07/2014 - Página::182)

Infelizmente, porém, esse não é o entendimento que vem prevalecendo nas Cortes Superiores. Apesar de não reconhecerem o direito do servidor ao enquadramento em novo cargo, determinam o pagamento de indenização aele, sob o argumento de proibição de enriquecimento sem causa da Administração.
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988. IMPOSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO. DIREITO ÀS DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, "o desvio de função ocorrido em data posterior à Constituição de 1988 não pode dar ensejo ao reenquadramento. No entanto, tem o servidor direito de receber a diferença das remunerações, como indenização, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado" (AI 339.234-AgR, Relator Ministro Sepúlveda Pertence). Outros precedentes: RE 191.278, RE 222.656, RE 314.973-AgR, AI 485.431-AgR, AI 516.622-AgR, e REs 276.228, 348.515 e 442.965. Agravo regimental desprovido.”
(RE 433578 AgR, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 13/06/2006, DJ 27-10-2006 PP-00047 EMENT VOL-02253-05 PP-00811)
“EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Servidor público. Substituição. Cargo inexistente. Anulação de ato administrativo. Desvio de função. Direito ao recebimento da remuneração pelo período trabalhado em desvio de função. Precedentes. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que o servidor tem direito, na forma de indenização, à percepção dos valores referentes à diferença da remuneração pelo período trabalhado em desvio de função, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado. 2. Agravo regimental não provido.”
(RE 499898 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 26/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-160 DIVULG 14-08-2012 PUBLIC 15-08-2012)
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO AO RECEBIMENTO DA DIFERENÇA REMUNERATÓRIA, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- Não destoa da jurisprudência do STF o entendimento do STJ de que, uma vez reconhecido o desvio de função, o servidor público faz jus às diferenças salariais dele decorrentes, sob pena de se locupletar indevidamente a Administração. Precedentes.
- Agravo regimental desprovido.”
(AgRg no REsp 1081484/RS, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), SEXTA TURMA, julgado em 27/03/2014, DJe 14/04/2014)
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTOS APTOS A REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. SERVIDORA PÚBLICA. DESVIO DE FUNÇÃO. PAGAMENTO DAS DIFERENÇAS SALARIAIS. SÚMULA 378/STJ. PRECEDENTES. SÚMULA 126/STJ. INAPLICABILIDADE.
1. Na hipótese dos autos, não se aplica a Súmula 126/STJ, porquanto o acórdão recorrido não possui fundamentação constitucional bastante para manter o julgado, devendo resolver-se no plano infraconstitucional.
2. É pacífico o entendimento dessa Corte no sentido de que, reconhecido o desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito a ser promovido ou reenquadrado no cargo ocupado, tem ele direito às diferenças vencimentais devidas em decorrência do desempenho de cargo diverso daquele para o qual foi nomeado. Súmula 378/STJ.
3. Agravo regimental improvido.”
(AgRg no REsp 1143621/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/03/2014, DJe 10/04/2014)
Há, inclusive, Súmula do Superior Tribunal de Justiça - Súmula 378 - segundo a qual,“reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes.”
Não podemos, porém, concordar com esse entendimento.
A remuneração é atributo essencial e inerente ao cargo. Permitir que o servidor receba remuneração de cargo para o qual não foi devidamente investidoimplica, na prática, no mesmo resultado que ele obteria se fosse enquadrado em novo cargo, esvaziando, por completo, o mandamento contido no artigo 37, II, da Constituição.
Ora, a Constituição de 1988, ao abolir a expressão “primeira” constante nas Constituições anteriores buscou impedir que servidores investidos em determinado cargo passassem a obter vantagens de cargo diverso daquele para o qual foram aprovados no concurso. Entre essas vantagens, se não a principal, está a remuneração.
Admitir, portanto, o pagamento de remuneração de cargo para o qual o servidor não foi previamente aprovado em concurso, esvazia o comando contido no artigo 37, II, da CF/88 e faz renascer o que o constituinte originário de 1988 buscou abolir do cotidiano da Administração Pública: o acesso a cargos e empregos públicos sem a prévia aprovação em concurso.
CONCLUSÃO
O desvio defunção nãodá direito ao servidor de ser enquadrado em novo cargo e nem mesmo perceber vencimento de cargo para o qual não foi devidamente investido.
Trata-se da aplicação do princípio da obrigatoriedade do concurso público insculpido no artigo 37, II, da Constituição Federal e reforçado no seu § 2º, que existe para selecionar aqueles de melhor qualificação, dando eficiência ao servido público; para garantir o direito de igual acesso aos cargos públicosa todos aqueles que desejarem e que preencherem os requisitos legais e, ainda; para dar efetividade ao princípio da moralidade administrativa.
O entendimento que vem prevalecendo na jurisprudência das Cortes Superiores constitui sério precedente para que servidores desonestos logrem melhoria de vencimentos, o que não pode receber o aval do Poder responsável pela proteção da nossa Carta Maior.
O desvio de função deve ser repudiado pelos administradores públicos, pelos servidores (que podem e devem se negar a realizar tarefas alheias ao cargo para o qual foram investidos), e também pelo Judiciário, que não pode conceder indenização àqueles que sabiam estar agindo às margens da lei.
REFERÊNCIAS
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 8ª ed. rev. e atual. Até a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Saraiva, 2008;
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009;
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999;
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 7ª ed. Atualizada até a EC n 55/07. São Paulo. Atlas, 2007. 
NOTAS:
[1]Constituição de 1946: “Art 186 - A primeira investidura em cargo de carreira e em outros que a lei determinar efetuar-se-á mediante concurso, precedendo inspeção de saúde”.
Emenda Constitucional nº 1/69: “Art. 97. Os cargos públicos serão acessíveis a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.§ 1º A primeira investidura em cargo público dependerá de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei”.
[2]MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 2007. p. 818.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 1999. p. 387.
[4]“Art. 37.(...)
§ 2º - A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei”.


Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Flavia Malavazzi. Breves considerações sobre o desvio de função na Administração Pública. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.51681&seo=1>. Acesso em: 04 mar. 2017.

http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,breves-consideracoes-sobre-o-desvio-de-funcao-na-administracao-publica,51681.html
DIREITO COMUNITÁRIO E DIREITO DA INTEGRAÇÃO: breve análise à luz da experiência da União Europea e do MERCOSUL.
                                

                                                                                                          
                                                                                                                                     Lucimar Gomes de Sá
                                                                                                         lucimargomesdesa@hotmail.com




Resumo: Com o processo de globalização as negociações se intensificaram de forma muito voraz e a necessidade de conquistar novos mercados se tornou uma peça chave em termos comerciais. A grande concorrência fez com que países geograficamente próximos se unissem para fortalecer os seus mercados e garantir com isso um aumento no volume de negociações entre os mesmos. Formaram-se assim, os chamados Blocos Econômicos. O Direito de Integração se estabeleceu da necessidade de fortalecer os mesmos. Como um exemplo dessa modalidade, temos o MERCOSUL. Com a dinâmica das relações comerciais, surge o Direito Comunitário, autônomo, independente, de normas com efeito direto e imediato, que tem como principal característica a supragovernabilidade. Uma modalidade de norma independente que tem como fundamento a autonomia da vontade privada consoante à vontade das partes, modalidade normativa alcançada somente, pela União Europeia. Analisaremos os dois modelos estabelecendo as principais diferenças e semelhanças entre os mesmos.
Palavra-Chave: Direito Internacional. Direito de Integração. Direito Comunitário. União Europeia. MERCOSUL. Estudo Comparado.



1 Introdução
      
Como um espelho dos dias atuais a Globalização é apontada como símbolo de uma economia moderna. A prática de um comércio entre países que formaram blocos, a prática do livre comércio entre os mesmos evidenciam parcerias para enfrentar a competitividade em nível global. Para acompanhar tamanha complexidade de relações e de negócios jurídicos surge a necessidade de uma legislação específica que regule, determine, amplie e assegure direitos.
O presente artigo tem o objetivo de fazer uma breve reflexão sobre o Direito da Integração e o Direito Comunitário no âmbito do MERCOSUL e da União Europeia: São objetos dessa reflexão as fazes em que se encontram suas semelhanças em relação aos acordos comerciais e as suas diferenças. Quais os reflexos sobre a economia dos países membros, dos acordos celebrados entre os mesmos e quais seriam as consequências ante o ordenamento jurídico pátrio dos mesmos.
 O primeiro bloco constituído foi a União Europeia, atualmente, no nível mais avançado de integração dentre os demais blocos que vieram a se formar posteriormente. O MERCOSUL surgiu tendo como fonte inspiradora a própria União Europeia, contudo, devido a muitos aspectos, ainda se encontra na sua fase inicial, ou seja, a fase de União Aduaneira.
Este trabalho se divide em três partes: na primeira, são apresentadas as definições do direito de integração e do direito comunitário, e sua aplicabilidade nos dois Blocos. Na segunda, como cada Bloco explana as normas e efetivamente, como elas se concretizam no ordenamento de seus membros. Na terceira, as considerações finais, mostrando a importância de seus institutos, os avanços e as vantagens e desvantagens dos mesmos em seus respectivos Blocos.
2- Antecedentes Históricos.
Quando a segunda guerra mundial chega ao termo, após seis anos de luta, a Europa não é mais do que um vasto campo de ruínas. Os Estados Unidos fortalecidos pelo acúmulo de capital injetam capital na Europa Ocidental para que assim pudesse garantir a hegemonia do sistema capitalista frente à ameaça da Rússia Socialista, por meio do Plano Marshall.

O Direito Internacional Público disciplina as relações entre os Estados que se aproximam, para eliminar fronteiras e buscar intercâmbio de mercadorias e serviços, buscando semelhanças e afinidades culturais, idiomáticas e religiosas.
Origina-se de quatro fontes: Convenções, ou Tratados, usos e costumes internacionais; princípios gerais do Direito Internacional, princípios gerais doutrina e jurisprudência, com relevância maior para as constituídas por meio dos Tratados Internacionais (PEREIRA, Bruno Yepes. 2009, p. 15).
Portanto, havemos de considerar o Direito Internacional como sendo um direito do Estado, exercido por terceiros, considerando interesses comuns. Um direito que ultrapassa as fronteiras e que atinge milhões, por vezes, bilhões de pessoas em todo o mundo, por trazerem para o plano de validade as negociações entre os Estados Membros, no sentido de otimizar as suas políticas públicas e macroeconômicas por meio de Acordos e Tratados supranacionais.
Os Tratados têm origem histórica remotíssima, tendo sido os seus primeiros contornos dos sindicatos, tendo os seus primórdios delineados  há mais de doze séculos antes de cristo, A disciplina jurídica do jus tractum foi sendo gradativamente edificada ao longo de mais de três mil anos, e ainda hoje o seu processo de conclusão guarda semelhanças com o seu modo primitivo de celebração.Esta regulamentação jurídica do Direito dos Tratados teve origem basicamente costumeira, desde a antiguidade até meados do século XX, não se conhecendo antes desse período sequer vestígios de quanto efetivamente começou a nascer na história das civilizações o costume convencional (MAZZUOLI, 2010, P. 147)
2.1 O processo de Integração Econômica
O fenômeno da globalização impõe uma nova dinâmica na ordem econômica dos Estados. Do fim da Segunda Guerra Mundial até a queda do muro de Berlim , o mundo e o sistema internacional era definido por polaridades do Norte/Sul e do Leste/ Oeste. Vigorava um sistema internacional com valores diferenciados, tanto no âmbito nacional como no plano internacional, englobando com isso o sistema econômico.
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Europa deixou de configurar o principal pólo econômico do mundo. Os Estados Unidos se insurgem como a grande potência capitalista que financiou a reconstrução européia por meio do Plano Marshall.
 Daí a necessidade da união dos países em organizações econômicas para reconstruir a Europa, ampliar seus mercados consumidores, livrar-se da dependência econômica americana e ao mesmo tempo, competir com os Estados Unidos e a União Soviética.

 A União Europeia demonstrou ao mundo as vantagens da integração econômica regional e se tornou paradigma para o surgimento e fortalecimento de outros blocos econômicos internacionais.

Democráticos, capitalistas e cristãos, o que, na prática dificulta a entrada da Turquia, cuja religião predominante no país é o Islão, com pequenas minorias de cristãos e judeus, por exemplo, por entenderem que o livre trânsito facilitaria as ações de grupos terroristas, atualmente a grande ameaça à estabilidade dos povos cristãos do ocidente.

Os tratados que definem a União Europeia são: o Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), o Tratado da Comunidade Econômica Europeia (CEE), o Tratado da Comunidade Europeia da Energia Atômica (EURATOM) e o Tratado da União Europeia (UE), o Tratado de Maastricht, que estabelece fundamentos da futura integração política. Neste último tratado, se destaca acordos de segurança e política exterior, assim como a confirmação de uma Constituição Política para a União Europeia e a integração monetária, através do euro (GOMES 2007, P. 46).

Para o funcionamento de suas funções, a União Europeia conta com instituições básicas como o Parlamento, a Comissão, o Conselho e o Tribunal de Justiça. Todos estes órgãos possuem representantes de todos os países membros.

Os países membros da União Europeia e os 19 países de maiores economias do mundo fazem parte do G20. Os países da União Europeia também são representados nas reuniões anuais do G-8 (Grupo dos Oito).

2.1 Estágios da Integração
O Direito da Integração surge com o objeto primordial de atuar nessa nova realidade global, em que a União tem como natureza exclusivamente comercial e econômica. Para tanto, passa por cinco fases bem distintas:

O primeiro estágio da integração é a Zona de Livre comércio, com a diminuição de impostos e taxas de determinados produtos para os países do mesmo bloco. Na segunda fase, União Aduaneira com os mesmos elementos da primeira acrescida de uma; a estipulação de regramento a terceiros que não fazem parte do Bloco. A regra aqui é que a vantagem é maior para os componentes. Na terceira, além das características das duas primeiras fases, acrescenta-se mais uma - o Mercado Comum: livre circulação de pessoas, bens e serviços. Na quarta fase, a União Econômica e Monetária, todos os preceitos anteriores, com a adoção de moeda única e também de um Banco Central Único – ou seja, elemento da supranacionalidade.

A União Europeia é o fenômeno das relações exteriores com as características mais próximas dessas relações. Temos sujeitos  com personalidades jurídicas de direito internacional público, que, portanto, poderão celebrar tratados internacionais em nome de todos os Estados-membros do bloco. Na quinta e última fase temos a União Política, caracterizada pelo afastamento da soberania dos Estados para um ente único que irá representá-los em relações internacionais com autonomia, mas sem soberania, no plano exterior. Nenhum Bloco atingiu a quinta fase (GOMES, Eduardo Biach, 2007, P.46)

Na segunda fase desse processo de integração, temos o MERCOSUL. Bloco em estágio de União Aduaneira. Aqui, comparado à União Europeia.

Em relação ao Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram em 25 de março de 1991 o Tratado de Assunção. O objetivo do acordo é promover a integração dos Estados Partes tendo a livre circulação de pessoas, serviços e fatores de produção com o estabelecimento de uma Tarifa Externa Como (TEC),da adoção de uma política comercial comum, tendo como garantia a harmonização da legislação pertinente.

Sua configuração atual encontra como marco a assinatura do Tratado de Ouro Preto, assinado em 1994. Isto é, com o Protocolo de Ouro Preto, o Mercosul ganha personalidade jurídica. Formalmente, o Bloco passa a atuar no cenário global como uma entidade que representa os quatro Estados Partes estimulando o intercâmbio com outros parceiros comerciais.
Em 2010 o bloco deu um passo importante para a confirmação do Código Aduaneiro do Mercosul.

Atualmente são membros associados, a Bolívia, o Chile, o Peru, a Colômbia e o Equador, Guiana e Suriname tornaram-se Estados associados em 2013. Em 2012, a Venezuela, tornou-se o quinto membro efetivo do Bloco.


3- O Direito Comunitário
3.1-União Europeia
A primeira condição para que possamos falar em relação entre ordenamento é que não exista apenas um ordenamento jurídico. Além de indagar essas relações havemos de considerar a permanência de um direito único, universal, de forma que o direitos dos  particulares  ganhe relevo.

O Direito Comunitário surge do entendimento da União Europeia como comunidade jurídica uma vez que os estados membros abrem mão de parte da sua soberania e passam a aceitar a decisão dos tratados firmados entre os parceiros, imediatamente por meio da primazia do ordenamento supranacional sobre o nacional, como ocorre no Parlamento Europeu no entendimento de Sérgio Mourão (MOURÃO,1998, p.100).

Portanto, o principal representante do Direito Comunitário é o bloco União Europeia (UE), o mais integrado e desenvolvido, modelo para os demais, e aqui objeto de estudo comparativo em relação ao MERCOSUL, exemplo de Direito da Integração.

José Carlos Moreira Alves entende que o Direito Comunitário originário deriva dos Tratados Constitutivos das Comunidades com previsão no art. 8º, nº 2 da CRP (Constituição da República Portuguesa) e que expressa à vigência do sistema da recepção automática para as variadas disposições de natureza social prevista pelos Tratados (ALVES, 2001, p.11).

O Direito Comunitário derivado ou secundário é formado por um conjunto de normas também emitidas do art. 8º da CRP, nos termos do nº3, situadas abaixo da constituição e acima da lei ordinária; entendimento ainda não pacificado pela Doutrina.

 Para o professor José Gomes Sá Pereira, o Direito Comunitário compreende:
O conjunto de princípios e normas jurídicas que regem a constituição e o funcionamento das Comunidades Europeias, e é uma nova ordem jurídica que penetra nos diversos ramos do direito interno dos Estados membros, cujo estudo e aplicação não podem, geralmente, deixar de ser realizadas em estreita articulação (PEREIRA, 1997, p. 11).

 Sendo assim, tecnicamente, não se deve falar em normas comunitárias no MERCOSUL, uma vez que, o bloco ainda se encontra na fase de União Aduaneira, regido por normas intergovernamentais, com uma forte dependência estatal. Este, mantido pelo conjunto de normas jurídicas que ainda estão em estágio inicial de associação o que se contrapõe à supranacionalidade da União Europeia.
Nesses termos, Sérgio Mourão Lima, explica:
A diferença essencial entre o ordenamento comunitário e o internacional consiste em que este não se impõe à ordem jurídica dos Estados, não existindo, como se sabe, uma ascendência jurídica de tribunal internacional sobre as cortes nacionais (LIMA. 1998, p.100)
Atua dentro das competências conferidas pelos tratados em consonância com o princípio da subsidiariedade (uma vez que a ação da UE só deve ser tomada quando um objetivo não pode ser suficientemente realizado pelos Estados-membros de forma individualizada). Leis feitas pelas instituições da UE podem ser classificadas em dois grupos: as que entrarão em vigor sem a necessidade de medidas nacionais de execução e as que exigem especificamente medidas nacionais de execução.
Nesse sentido, o direito comunitário há de ter como característica a parcialidade, porquanto não lhe compete totalidade de direito nos Estados-membros. O que pode ser diminuído gradativamente, na medida em que as relações entre os mesmos avançam. Ademais, além da característica evolutiva, havemos de considerar o desenvolvimento setorial, já que coexistem variados ordenamentos nacionais que integram tal Comunidade, de natureza política e econômica, portanto, passível de conflitos. (PEREIRA, 1997, P.11)
Defendemos que o bloco não vai se transformar em um Estado Federal, mas atingiu a maturidade como uma organização Internacional, ainda que tenha em seus pilares o Direito da Integração. Para que se possa chegar ao Direito Comunitário, o Bloco deve antes passar pelas etapas do processo integracionista dos Estados, ao passo em que deve preservar a sua soberania.
Tamanha complexidade pede um dinamismo do ordenamento jurídico de tal forma que uma norma jurídica, tenha validade não pelo conteúdo, mas porque nasce de uma forma determinada. A norma requer uma produção com um rito específico de criação. Para ordenar, então, a pluralidade de normas de um sistema, é preciso uma norma geral, única, que, para Bobbio (1995, p.59):
Não pode ser senão aquela que impõe obedecer ao poder originário do qual deriva a Constituição, que dá origem às leis ordinárias “e segue: “a norma fundamental é o critério supremo que permite estabelecer se uma norma pertence a um ordenamento; em outras palavras, é o fundamento de validade de todas as normas do sistema..
 Ou seja, não há que se falar numa norma posta, e sim em uma norma pensada, pressuposta, uma vez que no início do processo de criação, não há normas anteriores ou autoridades superiores a ela. Portanto, as normas devem ser postas umas ao lado das outras, considerando um sistema lógico escalonado de normas ordenadas entre si num sistema de submissão ou correlação.
. Em outros termos, se uma norma não pode ser fundamentada silogisticamente, ela tem de ser posta como premissa maior e, portanto, deve ser pressuposta como norma fundamental.



O Direito também é um produto típico do chamado gênio das nações, que constituirá um dos motivos recorrentes das doutrinas nacionais do Século XIX. Essa primeira forma de plurarismo tem caráter estatista. Existe não apenas um, mas muitos ordenamentos jurídico, pois existem muitas nações, cada uma das quais tende a exprimir, num ordenamento unitário  (ordenamento estatal), a sua personalidade, ou, se preferir o seu gênero jurídico (BOBBIO, 2010, P.314)  

O avanço tecnológico  e científico, com a consequente diminuição das distâncias e a aproximação dos seres humanos a nível global está atrelado  ao aparecimento de novas organizações internacionais o que gera a interdependência , consectário do entrelaçamento. A cooperação entre os Estados , por intermédio dessas organizações, é, sem dúvidas  o caminho mais curto.As normas devem ser postas umas ao lado das outras, considerando um sistema único escalonado de normas ordenadas entre si num sistema de submissão ou correlação.          

Comparando os dois procedimentos, percebemos de imediato uma estabilidade muito grande em relação à composição e às políticas adotadas pela União Europeia em relação ao MERCOSUL. Bloco com um número bem menor de integrantes, mas que ainda exige uma complexidade muito grande em termos de coesão. Aqui, temos a diferença entre o nível de união dos dois Blocos e as marcas da intergovernabilidade e da supragovernabilidade o que reforça a ideia de que à medida que o Bloco avança em relação ao processo de integração, maior deverá ser a União entre os mesmos.

Estes países são politicamente democráticos, com um Estado de direito em vigor (VALADÃO, 1999, p.23).

Democráticos, capitalistas e cristãos, o que, na prática dificulta a entrada da Turquia, cuja religião predominante no país é o Islão, com pequenas minorias de cristãos e judeus, por exemplo, por entenderem que o livre trânsito facilitaria as ações de grupos terroristas - atualmente a grande ameaça à estabilidade dos povos cristãos do ocidente.

Para o funcionamento de suas funções, a União Europeia conta com instituições básicas como o Parlamento, a Comissão, o Conselho e o Tribunal de Justiça. Todos estes órgãos possuem representantes de todos os países membros.

Os países membros da União Europeia e os 19 países de maiores economias do mundo fazem parte do G20. Os países da União Europeia também são representados nas reuniões anuais do G-8 (Grupo dos Oito).

3.2- Mercosul
Em relação ao Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram em 25 de março de 1991 o Tratado de Assunção. O objetivo do acordo é promover a integração dos Estados Partes tendo a livre circulação de pessoas, serviços e fatores de produção com o estabelecimento de uma Tarifa Externa Como (TEC),da adoção de uma política comercial comum, tendo como garantia a harmonização da legislação pertinente.

 Sua configuração atual encontra como marco a assinatura do Tratado de Ouro Preto, assinado em 1994. Isto é, com o Protocolo de Ouro Preto, o Mercosul ganha personalidade jurídica. Formalmente, o Bloco passa a atuar no cenário global como uma entidade que representa os quatro Estados Partes estimulando o intercâmbio com outros parceiros comerciais.

Em 2010 o bloco deu um passo importante para a confirmação do Código Aduaneiro do Mercosul.

Atualmente são membros associados, a Bolívia, o Chile, o Peru, a Colômbia e o Equador, Guiana e Suriname tornaram-se Estados associados em 2013. Em 2012, a Venezuela, tornou-se o quinto membro efetivo do Bloco.

O mercado comum pressupõe a coordenação de políticas macroeconômicas, de maneira que todos os países membros sigam os mesmos parâmetros para fixar suas taxas de juros e câmbios para definir sua política fiscal.
O MERCOSUL surgiu tendo como fonte inspiradora a própria União Europeia.
Para que possamos identificar as suas diferenças é necessário, contudo, uma manifesta exposição da estrutura dos mesmos, levando-se em consideração o conhecimento das fases necessárias para que se chegue ao status de bloco econômico. Convém ressaltar as diferentes fases que se deve galgar até que se chegue à última, o que, na prática, evidencia o que cada Tratado se propõe a alcançar, isso porque, quanto mais o Bloco avança nas fases de integração, maior a integração entre os mesmos.

4- Como a Legislação Interna é harmonizada nos dois blocos
4.1 União Europeia
A harmonização das normas internas é essencial para garantir o direito  dos membros de uma mesma comunidade. Essa harmonização se dá por meio do desenvolvimento de princípios de natureza comunitária, dos quais destacamos o princípio do Direito Democrático – por colocar a ordem jurídica europeia na condição de comprometimento mútuo entre os Estados.
 Os arts. 3º, “h”; 100; 101 e 102 do Tratado de Roma estabelecem como deve ser essa harmonização das normas. Esses dispositivos determinam a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros que tenham incidência direta no estabelecimento ou no funcionamento do mercado comum.[1]
O sistema de harmonização de normas da União Europeia dispõe da efetiva harmonia legislativa entre os ordenamentos nacionais, isso porque prevalece o caráter supranacional desse órgão regional, que determina medidas de caráter obrigatório a todos os membros signatários, bem como as diretivas e regulamentos.
Na prática, na União Europeia, as demandas jurídicas provenientes do processo da integração, contam com mais celeridade e decisões mais equânimes em relação às partes. Isto porque a comunicação entre os juízes das demandas é feita por meio de carta precatória, assim como funciona a comunicação das instâncias do Brasil.
4.2 Mercosul
Em relação ao MERCOSUL, no entanto, mesmo sendo países geograficamente muito próximos a comunicação entre os juízes é feita por meio de carta rogatória. Mecanismo utilizado para as demandas entre o Brasil e outros países que não são membros do Bloco. Do que se depreende que no processo global se observado à luz da legislação do Mercosul, temos um modelo inadequado e ultrapassado, o que dificulta as soluções dos conflitos entre os membros do Bloco.
Mazzuoli, assim descreveu o Tratado de Assunção:
O Tratado de Assunção estabelece os princípios elementares do Mercosul e institui o seu principal objetivo, qual seja, o de constituir um Mercado Comum, estabelecendo o prazo para a sua implementação para o fim de 1994 (MAZZUOLI, 2007)
Percebe-se então, que o Mercosul ficou estagnado. Não avançando no processo de integração e a união entre os mesmo é muito frágil.
O art. 1º do Tratado de Assunção estatui:
(...) O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.
Todavia, regido pelo Direito Internacional Público e tendo como metodologia o consenso, torna-se evidente que tal compromisso estará subordinado à soberania de cada país membro. A vinculação aos comandos dos tratados, em face do MERCOSUL, é, assim, extremamente tênue quando comparada às disposições emanadas pela União Europeia (SIMIONATO, 1997, p. 135).
A execução dos atos promulgados pelos órgãos do MERCOSUL está sujeita, principalmente, aos princípios do pacta sunt servanda e da boa fé, uma vez que no bloco não um instrumento com capacidade de vincular os Estados a cumprir as determinações exaradas. Aqui, cabe uma ressalva para a Código Civil nacional, feita por Talavera:
O código civil de 2002 traz em seu artigo 421 a seguinte redação: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, com essa previsão inserida no código, já se faz possível observar que a função social deve estar presente em todos os contratos para que eles tenham validade, notadamente ela impõe limites aos particulares onde, além de serem observados os interesses dos contratantes, também se faz necessário que esteja presente o interesse social no contrato, assim TALAVERA (2002, p.94).
Ainda na mesma linha de pensamento, Reale entende que o interesse individual na relação contratual não deve existir; pontifica REALE (2003, p.487/488).
Desta feita, com o intuito de preservar a igualdade contratual, o princípio da isonomia, explicitado na caput do art. 5 da CF/88, funciona como uma intervenção para garantir com isso o princípio da função social e a igualdade contratual entre as partes.
José Afonso da Silva (2012) aponta ainda 4 princípios do Ordenamento das relações internacionais:
“São os princípios que regem a República Federativa do Brasil em suas relações internacionais. Foi fonte de inspiração do texto, o art. 7º da Constituição Portuguesa de 1976, n. 1. Reafirma nossa independência, nossa autodeterminação e não intervenção nos nossos assuntos. Reconhecem-se no rol dos princípios consagrados no art. 4º quatro inspirações (a) uma nacionalista, nas idéias de independência nacional (inciso I) de autodeterminação dos povos (inciso III) e de não intervenção (inciso IV) e de igualdade entre os Estados (inciso V); (b) outra internacionalista nas ideias de prevalência dos direitos humanos (inciso II) e de repúdio ao terrorismo e ao racismo (inciso VIII) ; (c) uma pacifista nas idéias de defesa da paz (inciso VI), de solução pacífica dos conflitos (inciso VII) e na concessão de asilo político (inciso) X; (d) uma orientação comunitária, nas idéias de cooperação entre os povos para o progresso da Humanidade (inciso IX) e na formação de comunidade latino americana (parágrafo único (SILVA, 2012, p,52)
Isto é, a Constituição brasileira de 1988 já sinalizava por meio dos princípios. os valores que deverão ser protegidos pela República Federativa do Brasil. Uma constituição rígida em sua composição e com características bem contemporâneas para acompanhar a evolução dos mercados.
E vai além, porque não só contempla tais princípios, como prevê os valores sociais do trabalho, da soberania e da livre iniciativa, bem como contempla os direitos de primeira, segunda e terceira gerações, presentes nos arts. 1º, V, IV, 3º I, IV e em toda redação do Artigo 4º[2].
 5-Estudo comparativo dos dois sistemas
Em uma estrutura de integração, a solução de controvérsias pode perfazer-se mediante uma série de mecanismos. É possível aos Estados integrantes de um organismo regional adotar um modelo baseado no sistema clássico de solução de controvérsias, ou semelhante, mas com a imposição da interveniência dos órgãos do bloco econômico (a exemplo do MERCOSUL), ou, ainda, pode ser constituída uma Corte de Justiça supranacional para a resolução das divergências- é o caso da União Europeia (VALADÃO, 1991, p.86).
Evidentemente o processo evolutivo dos blocos regionais impactou diretamente o direito internacional; de maneira que o mesmo e o regionalismo são complementares, pois ambos buscam aprimorar a qualidade e estrutura da comunidade internacional, alcançando as pessoas sob sua égide.
Cumpre salientar que, independentemente do modelo adotado, nada obsta que os Estados, a qualquer momento, em nível político, optem por adotar as formas clássicas de solução de controvérsias (REZEK, 1991, p.342).

FONSECA ainda ressalta:

 A União Europeia adota uma Corte supranacional para a solução de controvérsias. Essa, sob a denominação de Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia (TJCE), vale-se de quinze juízes, assistidos por oito advogados-gerais, a fim de julgar todas as questões inerentes à implementação dos tratados que compõem a União Europeia. É um sistema que conjuga a ação de um Tribunal supranacional com a de tribunais nacionais, permitindo-se, assim, aos interessados reagir por via de ação ou de exceção contra o comportamento ilegal das instituições (FONSECA, 199, p. 86).

E continua:

 O TJCE, instituído por meio do Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1952, inovou em diversos aspectos a perspectiva de tribunal comunitário até então existente. A primeira Grande novidade foi a obrigatoriedade da jurisdição, a despeito do sistema clássico, no qual prevalecia a cláusula facultativa de obrigação. Outra transformação essencial foi a legitimidade ad processum conferida às pessoas físicas e jurídicas de natureza privada, as quais passaram a ter acesso direto ao Tribunal, o que jamais havia ocorrido. Além disso, mediante o engenhoso sistema da “questão prejudicial interpretativa”, possibilitaram-se dois efeitos inéditos: a uniformidade da aplicação jurisdicional do Direito Comunitário, que passou a vigorar não apenas perante os Estados-membros, mas em face também do Direito interno dos países signatários; e a cooperação integrativa das jurisdições nacionais com a jurisdição comunitária, o que foi eficaz também no processo preenchimento de lacunas, já que o juiz comunitário não pode renunciar a pronunciar-se sobre determinada demanda. (FONSECA, 1994, p. 86).

 É importante salientar que o TJCE não é um tribunal de recursos em relação às cortes dos Estados-membros. Assim, conquanto seja possível fazer uma censura indireta por meio de acórdãos, não poderá o Tribunal reformar as decisões das ordens internas, obrigatoriamente observando as fronteiras de sua jurisdição.

Obviamente, a observância obrigatória, é fundamental para existência de meios coercitivos e sancionatórios no âmbito do TJCE. Tendo isso em vista, o Tratado da Comunidade Europeia, mediante os arts. 169, 170 e 171, formulou a ação por descumprimento. De acordo com esta, caso um Estado-membro não adote as medidas necessárias para a execução de um acórdão, a Comissão deverá, em princípio, verificar as causas dessa desobediência, procedendo, em seguida, com determinado prazo para que ocorra o devido cumprimento. Permanecendo a inobservância, conceder-se-á o direito de defesa, e, por fim, se for o caso, deverá ser submetido à ocorrência ao Tribunal, juntamente com a indicação da sanção pecuniária correspondente.

 Em relação ao MERCOSUL, o sistema de solução de controvérsias tem por alicerce o Grupo Mercado Comum (GMC) e como instância recursal um Tribunal Arbitral ad hoc. Destarte, regido pelo caráter intergovernamental. Resulta claro que inexiste no âmbito do MERCOSUL um Tribunal supranacional.
Franco da Fonseca, com a precisão que lhe é peculiar, esclarece:

O fato, de o MERCOSUL não contar, em sua estrutura administrativo-legislativa, com nenhum órgão supraestatal não lhe retira a natureza jurídica de organização de integração, porquanto esta se caracteriza pela necessidade de adequação de dois ordenamentos jurídicos internos ao quadro normativo instituído pelo tratado constitutivo (FONSECA, 1994, p.86).

 Assim, diante de uma controvérsia, inicialmente, deverão ser procedidas negociações diretas, devendo os Estados-partes informarem à Secretaria Administrativa do MERCOSUL (SAM) a respeito do procedimento e dos resultados das negociações. Em não sendo alcançado acordo, o caso será submetido ao GMC, o qual formulará, em até 30 dias, as recomendações aos países-membros controvertidos. Se, contudo, persistir a divergência, a questão deverá ser submetida ao procedimento arbitral, mediante comunicação a SAM (VALADÃO, 1999, P.66).

O Tribunal Arbitral ad hoc, reconhecido como obrigatório, deverá decidir o litígio pautando-se pelo Tratado de Assunção, pelos acordos firmados no seu âmbito, pelas decisões do Conselho do Mercado Comum (CMC), pelas resoluções do GMC e pelos princípios e disposições de Direito Internacional aplicáveis ao caso.

Tal decisão dar-se-á por maioria e será inapelável, conjecturando-se como obrigatória para os Estados-partes na controvérsia, os quais deverão cumpri-la no prazo de quinze dias, salvo disposição diversa do mesmo Tribunal.

 A fim de garantir a obrigatoriedade supracitada, estará sujeito o Estado-parte que não cumprir a sentença arbitral a sanção, que será proferida pelo outro país integrante do conflito. Tal medida pautar-se-á por procedimentos clássicos do Direito Internacional Público, como a aplicação de medidas compensatórias (a exemplo da suspensão de concessões ou outras medidas equivalentes), ou mesmo a denúncia do Tratado (GOMES, 2007, p.46).

 É manifesto, todavia, que tal caráter sancionador, no âmbito do MERCOSUL, em virtude do próprio caráter de intergovernabilidade, é desprovido da eficácia verificada em face da União Europeia, carecendo de efetiva coercibilidade, notadamente quando os interesses políticos se sobrepõem aos interesses econômicos internacionais do Tratado.
-Considerações Finais
Após os estudos feitos, a principal distinção entre a União Europeia e o Mercosul, apresenta-se pela dicotomia entre supranacionalidade e intergovernabilidade. Fazendo um estudo comparativo desses dois institutos, no qual se privilegiaram as fontes constitutivas do Direito, o sistema de harmonização das legislações internas e os mecanismos de solução de controvérsias conclui-se que a União Europeia encontra-se em estágio de integração avançado, em relação ao MERCOSUL. Devido a isso, tem-se que a União Europeia é dotada de um Ordenamento Comunitário, enquanto, no MERCOSUL, existe tão somente um Direito de Integração.
Na União Europeia, havendo conflito de interesses, somente um órgão com jurisdição sobre os dois ou mais Estados estaria legitimado a ofertar soluções a determinada controvérsia. Esta necessidade de submeter-se à decisão de um organismo com jurisdição sobre o próprio Estado fez com que surgisse o conceito de supranacionalidade, dando flexibilidade aos aspectos que até então integravam o conceito de soberania dos Estados-Membros.
Por supranacionalidade, ainda que haja grande controvérsia quanto a seu sentido conceitual, entendemos que consiste basicamente na existência de instâncias de decisões independentes do poder estatal, as quais não estão submetidas ao seu controle, a superação da regra da unanimidade e do mecanismo de consenso, já que as decisões – no âmbito das competências estabelecidas pelo tratado instituidor – podem ser tomadas por maioria (ponderada ou não) e no primado do direito comunitário: as normas originadas das instituições supranacionais têm aplicabilidade imediata nos ordenamentos jurídicos internos e não necessitam de nenhuma medida de recepção dos Estados.
Esta foi à forma que os Estados europeus encontraram para a solução das controvérsias surgidas a partir das relações decorrentes do processo de integração. Formou-se uma Comunidade de Estados, em prol da qual os próprios Estados renunciaram a sua competência sobre determinadas matérias, que passaram a ser reguladas pelo órgão comum.
Os efeitos produzidos pelos atos oriundos desta Comunidade operam-se de imediato, sem que haja a necessidade de nenhum ato instituidor por parte de cada um dos Estados-membros.
É importante salientar, contudo, que, malgrado seja a União Europeia um modelo de organismo comunitário regional, cada bloco econômico deve desenvolver o seu próprio processo de integração, evitando com isso, estabelecer o modelo europeu sem as devidas adequações, o que provavelmente levaria ao fracasso.
 Apesar das manifestas desvantagens, a intergovernabilidade dominante no MERCOSUL, quando comparada à supranacionalidade europeia, tem sido eficiente no processo de integração desse bloco econômico. Isso, porque, nesse modelo, os Estados negociam de forma horizontal, sem a imposição de interesses, permitindo uma maior liberdade, o que é essencial em face das desigualdades socioeconômicas dos Estados-partes.
Para a adoção do modelo supranacional de integração, é necessário, além do desenvolvimento harmônico dos Estados integrantes, que existam instituições permanentes, com funcionários próprios, o que evidentemente torna o processo extremamente dispendioso, contrariando a condição econômica dos países da América do Sul.                    

O MERCOSUL nos conduziu evidentemente, ao processo de globalização econômica. Os países integrantes desse grupo são vizinhos, com fronteiras permeáveis, não havendo rivalidades étnicas, culturais ou religiosas de grandes proporções. A Guerra do Paraguai, que aconteceu há mais de um século, foi a última de conflito militar.

Nos países que compõem o Bloco, a moeda americana tem prevalência em relação ao Real brasileiro, muito embora, o Brasil divida a maior parte de investimentos e volumes de negociações com a Argentina. Em consonância com a moeda mais utilizada, temos o inglês e o espanhol como o idiomas mais explorados, mesmo sendo o Brasil o responsável diário pelo grande fluxo de capitais e de pessoas diariamente entre os países membros do Bloco.
Com o objetivo de fortalecer as capacidades de cada um dos membros, aprofundar a integração regional, reduzir as assimetrias entre os países do bloco, intercambiar de maneira horizontal conhecimentos e experiências, boas práticas, políticas públicas tanto no interior do bloco quanto com outras instâncias de integração regional e extrarregional existentes, o Brasil, a Argentina o Uruguai e o Paraguai e desde 2012, a Venezuela com a retomada desses ideais de integração na América Latina, desenvolveram estudos que tiveram a questão territorial enquanto enfoque, demonstrando as deficiências das infraestruturas de integração existentes, .e em novembro de 2004, foi selecionado um grupo de 31 obras delimitadas para o período de 2011-2016. Enfatizamos, a maior parte dos recursos é proveniente do Brasil e da Argentina, países mais desenvolvidos economicamente entre os membros do Bloco.
É certo que o MERCOSUL encontra-se ainda em estágio incipiente de integração, de modo que deve evoluir rumo a um mercado comum, com o intuito de potencializar os resultados sociais e econômicos alcançados no âmbito regional. No entanto, tal avanço integracionista deve realizar-se de acordo com um modelo próprio, o qual se molde às circunstâncias inerentes aos países que o integram, sem que se proceda à simples transposição do modelo europeu, o qual é extremamente eficiente na Europa, mas não necessariamente o seria na America do Sul, uma vez que as assimetrias profundas em termos de dimensão e de características econômicas entre os membros do MERCOSUL traduzem as diferenças de capacidade entre os integrantes do Bloco.

O estudo dessa matéria ainda está longe de se esgotar, uma vez que os Tratados, assim como os acordos, são frutos da vontade das partes e infelizmente, os objetos do nosso estudo ainda encontram grandes desafios em relação a “essas vontades”. Porque, na prática o que se constata é que nenhum dos Blocos chegou à quinta fase da integração, que é justamente a união política.

Não fazer prevalecer o rigor da norma preestabelecida sob a égide de um processo tão rígido ainda é o grande desafio do Direito, afinal, se a geografia reflete na economia, os indivíduos que cruzam fronteiras, trocam moedas e negociam entre si, não levam somente as suas mercadorias e serviços, mas também a sua cultura. E mesmo numa escala tão ampla, todos os direitos terão que ser respeitados.

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[1] Artigo 3.o
“h”- A aproximação das legislações dos Estados-Membros na medida do necessário para o funcionamento do mercado comum;
Artigo 100.
1. Sem prejuízo de quaisquer outros procedimentos previstos no presente Tratado, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, pode decidir das medidas apropriadas à situação económica, nomeadamente em caso de dificuldades graves no aprovisionamento de certos produtos.
2. Sempre que um Estado-Membro se encontre em dificuldades ou sob grave ameaça de dificuldades devidas a calamidades naturais ou ocorrências excepcionais que não possa controlar, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, pode, sob certas condições, conceder ajuda financeira comunitária ao Estado-Membro em questão. O Presidente do Conselho informará o Parlamento Europeu da decisão tomada.
Artigo 101.
1. É proibida a concessão de créditos sob a forma de descobertos ou sob qualquer outra forma pelo BCE ou pelos bancos centrais nacionais dos Estados-Membros, adiante designados por “bancos centrais nacionais”, em benefício de instituições ou organismos da Comunidade, governos centrais, autoridades regionais, locais, ou outras autoridades públicas, outros organismos do sector público ou empresas públicas dos Estados-Membros, bem como a compra directa de títulos de dívida a essas entidades, pelo BCE ou pelos bancos centrais nacionais.
2. As disposições do n.o 1 não se aplicam às instituições de crédito de capitais públicos às quais, no contexto da oferta de reservas pelos bancos centrais, será dado, pelos bancos centrais nacionais e pelo BCE, o mesmo tratamento que às instituições de crédito privadas.
Artigo 102.
1. São proibidas quaisquer medidas não baseadas em considerações de ordem prudencial que possibilitem o acesso privilegiado às instituições financeiras por parte das instituições ou organismos da Comunidade, dos governos centrais, das autoridades regionais ou locais, ou outras autoridades públicas, de outros organismos do sector público ou de empresas públicas dos Estados-Membros.
2. O Conselho, deliberando de acordo com o procedimento previsto no artigo 252.o, estabelecerá, até 1 de Janeiro de 1994, as definições para a aplicação da proibição a que se refere o n.o 1.

[2] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios
:
[2] I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.




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